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Cia PeQuod – Projeto Marina no CCBB RJ

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O Manga entrevistou Miguel Velhinho (na foto ao lado) da companhia carioca de teatro de animação PeQuod, que é uma das mais destacadas no Brasil. Completando quase dez anos de existência, a companhia está em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil no Rio de Janeiro com o projeto Marina - espetáculos com versões adulta e infantil do conto A Sereiazinha, de H. C. Andersen e canções de Dorival Caymmi.

Espetáculos de teatro de animação possuem um forte apelo visual e necessitam que os profissionais envolvidos sejam capacitados para produzirem, bem como transformar as ideias em formas, sejam elas bonecos, máscaras e objetos. Como é isso para a Cia. Pequod? Todos produzem?  Por sermos um grupo e convivermos juntos já algum tempo, temos um cabedal de referências comuns que nos fazem acionar ideias e soluções de uma forma bastante ágil. Na PeQuod há um núcleo que pensa a trajetória do grupo e assume a burocracia do dia a dia. Há, no entanto, alguns profissionais que estão conosco desde o início, mas que não fazem parte desse núcleo. E há ainda os artistas convidados, em cada montagem. Como trabalhamos com confecção de bonecos para os espetáculos, houve em determinado momento uma divisão mais clara entre os interesses da cena e da confecção. E hoje em dia otimizamos esse perfil. Assim há um núcleo de confecção, coordenado por mim (Miguel Velhinho) e pelo Carlinhos (Carlos Alberto Nunes - cenógrafo) com profissionais que acompanham intimamente os processos e procedimentos da PeQuod, que entendem e possuem um traço característico e que dão à companhia uma marca reconhecível.

No espetáculo Peer Gynt de Henrik Ibsen, a cenografia envolve todo o espetáculo, sendo na verdade o próprio espaço. Ainda é comum pensarmos o espetáculo de teatro de animação para bancadas ou pequenos palcos. Como é isso para vocês, pensar novos formatos para as montagens e qual a relação que há com cenografia?  Desde nosso primeiro espetáculo, Sangue Bom (1999) nossa preocupação maior foi espacial. Nosso primeiro e maior questionamento foi: por que usar somente um pedacinho do palco se temos ele inteiro à disposição? Nossas indagações, para além das questões referentes ao boneco, dizem respeito intrinsecamente à inserção do boneco em uma nova espacialidade. Este foi nosso ponto de partida. Aos poucos essa relação espacial foi ganhando outros rumos. Em Peer Gynt, a estrutura de teto que contém todos os bonecos e objetos que são usados durante a encenação serviu para nos libertar dos balcões, que, num espaço de arena – onde a montagem estreou – não permitia diálogo. Ter estreado em um espaço não-convencional nos fez repensar os suportes que trabalhávamos e, assim, imprimimos na montagem uma dinâmica verticalizada e totalmente diferente dos que normalmente vemos no teatro. Nossas ousadias espaciais nos levaram agora a manipular bonecos dentro de grandes aquários, por exemplo. É o que está em cena agora com o espetáculo Marina, no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro.

Qual a diferença ou relação entre figurinos para bonecos e para atores?  Há inúmeras especificidades. Tecidos aparentemente maleáveis podem ser duros na proporção dos bonecos e não ter o caimento que se esperava. No entanto, nossa principal preocupação nessa área diz respeito aos figurinos dos manipuladores, já que estes muitas vezes servem de fundo para os bonecos. A clareza da imagem do boneco e o contraste com o figurino do manipulador impedem que o primeiro perca sua silhueta. Há uma questão de figura e fundo que precisa ser preservada para que o boneco não perca sua silhueta. Um descuido pode “matar” tanto a figura do boneco quanto a beleza de uma manipulação bem feita, mas prejudicada pela ausência de um desenho claro. Estampas são sempre um problema, informações demais também. Quanto mais reta a ideia de um figurino para um boneco, melhor será sua comunicação com a plateia.

No projeto em cartaz no CCBB RJ, um mesmo tema para crianças e adultos. como foi pensar um mesmo espetáculo para dois públicos, dois olhares?

MarinaMarina é uma adaptação do conto A Sereiazinha, de Hans Christian Andersen. No original, uma história típica do autor: uma fantasia belamente contada e um final triste como lhe é de costume. A ideia de pensar em dois espetáculos num só surgiu na sala de ensaio, quando vimos que o material criado poderia migrar para um lado ou para outro. Como fazia tempo que não nos apresentávamos para crianças, vimos que aquela era uma oportunidade. Decidimos desmembrar nossas ideias e o adulto seguiu a linha inicial, aproximando a história de um tom trágico, já que a protagonista reunia tudo que uma heroína trágica deve ter: um embate contra a sua própria natureza, a ultrapassagem da sua condição primordial e a punição por este mesmo ato. Estava tudo lá, apenas alteramos o tom do conto, encaminhando a história para essa direção. O infantil segue exatamente o conto, com o mesmo final infeliz, mas ressaltando a questão da escolha. Falar do quanto uma escolha errada na vida pode trazer a infelicidade, me parece ser um assunto interessante para ser conversado entre pais e filhos.

Os bonecos são utilizado praticamente o tempo todo dentro de tanques de água, como foi pensar os materiais e a confecção?

Marina2 Abolimos todos os materiais que poderiam deteriorar no contato com a água. A madeira e os tecidos foram substituídos por materiais sintéticos. No lugar da madeira utilizamos o alumínio. A pintura dos bonecos ganhou acréscimos preciosos com o uso de vernizes impermeabilizantes de maior resistência. Esse projeto nos ajudou a conhecer e trabalhar de forma muito diferente e abriu novas opções em prol da durabilidade dos bonecos. Nesse aspecto, tivemos um grande avanço em relação ao conhecimento de novos materiais para a confecção.

Como nasce um boneco? Primeiro vem o roteiro, um esboço, há pesquisa de materiais... Nasce das nossas necessidades na cena. Não estipulamos isso num período anterior aos ensaios. Nosso processo acaba por solicitar mais ou menos bonecos de acordo com as exigências da cena. Nosso trabalho se calca também em aspectos ligados à ideia de cinema, de elementos vindos da linguagem cinematográfica como o corte e a edição, assim temos às vezes dois ou três bonecos absolutamente iguais para dar conta dessa agilidade e desta edição que pode fazer um boneco aparecer num canto do palco e reaparecer em segundos em um canto oposto. Na montagem atual, a protagonista tem cinco versões diferentes. Logo, claro, são as demandas do palco que vêm em primeiro lugar. Depois o processo é igual: busca de referências – geralmente vindas do desenho animado ou de fotografias – adaptações, desenhos inúmeros até chegar à figura final. Depois o processo sai do papel e ganha volume. A partir do desenho final, esculpe-se o rosto, tira-se o molde, materializa-se a cabeça, pinta-se a face, cria-se o cabelo, une-se a cabeça pronta ao corpo e, por fim, acrescenta-se o figurino. O processo é longo, detalhado e envolve diversas técnicas e materiais.

Marina_elenco O que mais veio com Marina? Em Marina, nosso cenário saiu dos quilos e atingiu as toneladas. Isso graças ao uso de água em cena. Interessante perceber as diversas questões nascidas daí, não só em relação ao peso, mas a sobrevivência do espetáculo, seu transporte etc. Para além disso, houve também preocupações acerca da impermeabilização do espaço utilizado, cálculos estruturais de engenharia para suportar o peso. Experimentar todas estas questões, com prazos nem sempre generosos, quase nos levou a um colapso. Mas nada se compara ao prazer observado nos rostos felizes que saem depois da apresentação. Jogar-se nesse tipo de experimentação requer maturidade, estrutura e um grande cenógrafo ao lado. Nesse aspecto estamos muito bem servidos. Este espetáculo é um brinde à minha parceria com o cenógrafo Carlos Alberto Nunes, também membro da PeQuod e que tem redimensionado como ninguém as questões cenográficas próprias para os nossos bonecos. Não há um outro profissional como ele aqui no país.

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