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Entrevista com Alberto Renault

Renault recebeu recentemente o prêmio Shell RJ pela cenografia do espetáculo DOIS IRMÃOS, texto do italiano Fausto Paravidino com tradução de Fabiana Colasanti e direção de Cyntia Reis e Michel Blois. No elenco, Ana Lima, Diogo Benjamin e Pablo Sanábio. Renault também ficou responsável pela direção de Arte e os figurinos foram assinados por Felipe Veloso. A montagem que estreou no RJ em 2009, também se apresentou no Galpão do SESC Pompéia em São Paulo. o Manga que já tinha um olhar atento à este trabalho, após a premiação do Shell, convidou o artista para uma rápida entrevista.

Alberto Renault, foto de seu blog

Como se deu o seu encontro com os três atores e criadores do espetáculo?
Um dos atores da peça, Diogo Benjamin, era meu assistente em outros trabalhos. Se me lembro bem, ele me chamou para dirigir a peça, eu que propus de fazer apenas o cenário ou uma direção de arte. Acabei realmente fazendo o cenário e dando uma consultoria em alguns assuntos como escolha de lugar para encenação.

Como foi o processo de criação da cenografia para Dois Irmãos?
Acho que eu não tenho processo, tenho ideias! Sou bastante intuitivo. Fizemos uma leitura e acho que logo na primeira leitura – antes mesmo de termos um diretor eu propus de fazer a peça em cima de uma mesa. Como a peça se passa dentro de um apartamento queria que em cima desta mesa – deste grande tablado – estivesse o apartamento com todos os cômodos: cozinha, quarto de cada personagem, até banheiro e que o público como que sentado para jantar estivesse em torno desta mesa.

Foto de Vicente de Paulo

Este cenário, já é uma proposta de encenação. Acho que é adequado a espaços não tradicionais. Propus de encenar a peça numa galeria de arte. Saímos todos em busca de uma galeria e depois de estrear numa sala do SESC Copacabana o espetáculo teve uma reestréia na Galeria de Arte Cândido Mendes, onde a Mesa/Cenário ficava exposta ao longo do dia para visitação, como uma casa estranha, na qual esqueceram a porta aberta. Gostei da proximidade do público com os atores, do ambiente doméstico e cotidiano que o espaço propunha.

A cenografia, o que é natural, vem se alterando ao longo dos anos. Há quem diga que ela não é mais elemento tão importante para o acontecimento teatral. Como foi realizar um trabalho em que o vínculo entre encenação e cenografia é tão presente?

 Foto de Vicente de Paulo
Não consigo pensar teatro sem cenografia. Não existe peça sem cenário. Qualquer espaço é um cenário. Um palco vazio é um cenário. Uma rua é um cenário. Basta um ator estar diante de uma plateia que o que está em torno dele é cenário. Cenário é o espaço onde acontece o evento teatral – seja ele “cenográfico” ou não. Acho que a boa cenografia não é aquela que tem grandes construções ou impacto visual – nada contra, pelo contrário – mas a boa cenografia é aquela que “casa” com os atores. Exemplo: a mesa e cadeira em que Fernanda Torres passa o tempo todo sentada no espetáculo “A Casa dos Budas Ditosos” são fundamentais – é um cenário simples e determinante Sem aquela mesa e aquela cadeira a peça não seria a mesma. Cenário não é enfeite, cenário é significado! Não conseguiria pensar um cenário que não estivesse em profundo diálogo com a encenação.

Como constrói seus projetos? Utiliza softwares, desenha, elabora maquetes?

 Foto de Vicente de Paulo
Depende. Geralmente trabalho com uma arquiteta – Erika Duarte que faz os desenhos, às vezes em 3D, outras, não utilizamos nada – mas geralmente elaboramos plantas de detalhamento técnico para que os cenotécnicos possam construir os cenários. Não sei desenhar, nem calcular – só sei imaginar.


Foto de Vicente de Paulo
De onde vieram os objetos que ficam sobre a mesa?
Alguns vieram da minha casa, da casa dos atores, doações – alguns outros foram comprados. Adesivei grande parte da mesa com fitas que trouxe do Japão. Chamei um pintor de arte – de pinturas populares – para pintar algumas partes da mesa.

Você também atua na área de figurino?
Tenho uma visão bem global dos trabalhos que faço. Sou mais diretor do que cenógrafo. Já dirigi 5 ou 6 óperas, numa delas, Orfeu, eu assinei juntamente com Claudia Kopke os figurinos. Gosto muito de moda e de pensar os figurinos das minhas encenações.


Fotos de Vicente de Paulo

Em que momento entram os atores e o diretor no seu trabalho?
O cenário de Dois Irmãos foi o primeiro cenário que fiz para um outro diretor que não eu mesmo! Então não tenho como responder. No caso de Dois Irmãos acho que os ensaios já começaram com a mesa-cenário construída num galpão. Não tinha como ensaiar a peça sem a mesa. Exemplo de como um cenário pode ser determinante numa encenação. Quando ensaio óperas preciso muito reproduzir quase todos os elementos que estão no palco na sala de ensaio. Na minha última encenação – Fidelio de Beethoven no Teatro Municipal do RJ, quase tudo que estava no palco estava na sala de ensaio, desde o primeiro dia de ensaio.

Novos projetos ligados a cenografia teatral?
Crio muitos cenários para desfiles de moda. Já criei mais de 50 cenários para desfiles! E isso me dá muita liberdade criativa – é um exercício muito bom. Outros cenógrafos e diretores como Gringo Cárdia, Bia Lessa e Daniela Thomas também fazem regularmente desfiles de moda que são um dos grandes espetáculos visuais de nossa era – vide os desfiles de Alexander McQueen. Isso para dizer que meus próximos trabalhos estão ligados a moda, ópera. E estou dirigindo uma série para TV sobre arquitetura. Acho que arquitetura é cenário. Uma casa é um cenário, onde os atores-moradores vivem suas realidades e ficções.

Foto de Marcio Madeira
Cenário para desfile da marca Salinas/Fashion Rio.
Quarenta toneladas de bananas, que foram doadas após o desfile para escolas e instituições.

Ainda sobre Dois Irmãos, espetáculo com o qual foi premiado com o Shell de Cenografia.
Começamos o projeto de Dois Irmãos modestamente, sem patrocínio, com a força, determinação e o empenho de jovens atores/produtores. Um prêmio é sempre uma alegria, um reconhecimento e um estímulo para se criar mais.

_________________
Alberto é diretor, roteirista e cenógrafo. Dirigiu as óperas A Violação de Lucrecia, Voz Humana, L'Orfeu, de Monteverdi, Salomé, de Richard Strauss, Barroco, seleção de árias do repertório Barroco, Pedro e o Lobo, de Prokofiev, Fidelio, de Beethoven. No teatro, dirigiu O Caso da Rua ao Lado, que excursionou pelo Brasil com Luiz Fernando Guimarães, Marisa Orth e Otávio Müller. Adaptou O Homem Sem Qualidades de Robert Musil, entre outras peças, para Bia Lessa. Em Paris, foi assistente do diretor Bruno Bayen, colaborando na montagem de diversos espetáculos na Comédie Française e no Thétre National de L'Ódeon e Théatre de la Bastille.

Também dirigiu e criou cenários para várias temporadas da SP Fashion Week e do Fashion Rio para os desfiles das marcas: Isabela Capeto, Salinas, Maria Bonita Extra, Marcelo Sommer, Raia de Goeye, Cavalera, Huis Clos, Colcci e Ellus. É colaborador de diversas revistas, entre elas: Vogue, Casa Vogue, Joyce, Key, Caderno Ela/O Globo. Criou com Isabela Capeto a instalação 296 Maneiras, apresentada no MAM-SP (na exposição Quando Vidas se Tornam Formas: Diálogo com o Futuro Brasil/Japão) e no Museu de Arte Contemporânea de Tóquio. Também foi responsável pela criação da série Nomes da Moda para a Fashion TV (2008).

Para televisão, dirigiu e roteirizou os programas Brasil Legal e Muvuca na Rede Globo, com apresentação de Regina Casé. Roteirizou quadros Adolescência, Minha Periferia e Central da Periferia/Mundo (Cidade do México, Luanda e Paris) (2007), apresentados por Regina Casé para o programa Fantástico da Rede Globo. Dirigiu e roteirizou matérias para o programa Altas Horas na mesma emissora, entre elas uma série jornalística gravada em Tóquio. Dirigiu e roteirizou o vídeo 100 Palavras, com Regina Casé, criado especialmente para o Ano França-Brasil exibido em 2005 no Carreau du Temple, Paris. Participa da equipe de criação e redação do Programa Um Pé de Que?, com Regina Casé no Canal Futura. Dirigiu, tamb&eacu te;m para o Canal Futura, o documentário gravado em Tóquio Brasil, Japão, Vidas e Formas (2009).

Comentários

  1. Parabéns pela entrevista e também pelo blog que é muito inspirador. bjs

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