Estive na tarde de sexta-feira, dia 4/6 acompanhando a Cia. São Jorge de Variedades pelas ruas do bairro da "BARAFONDA", alias, Barra Funda - o primeiro é o nome da nova montagem da premiada companhia. Com duração de 4 horas e com um trajeto de quase dois quilômetros, que confesso, não se percebe, o espetáculo tem início na Praça Marechal Deodoro, depois segue pela Rua Lopes de Oliveira, atravessa a linha do trem por uma passarela e termina na Praça Nicolau de Morais Barros. São 25 atores e 4 músicos em cena, 150 figurinos e dois pequenos carros alegóricos.
Em 2010, entrevistei o coletivo de arte CASA DA LAPA, que novamente assina a direção de arte desse novo trabalho. Um grupo afinado com a pesquisa da cia. e que neste novo projeto parece traduzir ainda mais as aspirações estéticas da São Jorge. Materiais que são descartados pela cidade, aparecem em diversos adereços ou complementando parte da cenografia que tem a cidade em plena atividade como pano de fundo. É interessante e vale ressaltar a maneira como o coletivo se utiliza da cenografia e dos fugirinos em Barafonda, sem se render a facilidade de alegorizar ou mesmo criar vestimentas sofisticadas e espaços mega elaborados. Houve um momento que a dança de um dos personagens em frente a banda, bem no início do espetáculo, me conduziu aos parangolés de Hélio Oiticica. Vale salientar outras belas imagens criadas por recursos simples, mas de grande impacto, como um longo pedaço de tnt branco em que um ator, sobre as grades de ventilação do metrô, se desenrola numa dança - caos e beleza, carros, buzinas, curiosos, cidadãos admirados - o que será isso? Um flâmula dançante bem debaixo do Minhocão. Atores se misturam a objetos em lojas de conveniências domésticas, ocupam peças de antiquário, se apropriam de máscaras plásticas: uma Emília, Homem Aranha, Shrek, Batman. Impossível não reconhecer o modo como esses artistas se apropriam da cidade e de elementos banais ou já desgastados, que são resignificados a partir da arte, do teatro.
Passado, presente e futuro da Barra Funda são mostrados durante a apresentação de BARAFONDA. Bairro residencial e pacato há 20 anos, a Barra Funda, é hoje alvo da verticalização e especulação imobiliária, por isso a Cia São Jorge de Variedades decidiu apresentar o espetáculo durante o dia para que o mesmo pudesse dialogar com as pessoas, o trânsito e o comércio do bairro.
O BERÇO DO SAMBA PAULISTA
Prometeu Acorrentado e As Bacantes são as duas tragédias gregas que estão mescladas com a história da Barra Funda na montagem de BARAFONDA. Para Patrícia Gifford, a tragédia de Prometeu remete a condição do progresso, história e morte e As Bacantes por sintetizar a festa. “O espetáculo busca o lugar idílico de convívio público da arte e da possibilidade dos artistas existirem e coexistirem com a cidade”, comenta a atriz.
O bairro da Barra Funda foi palco do 1º Cordão Carnavalesco Paulista, o Grupo Carnavalesco Barra Funda, que mais tarde viraria a Escola de Samba Camisa Verde e Branco. Formado por negros, que se sentiam excluídos das comemorações de Carnaval, o cordão foi fundado por Dionísio Barbosa no Largo da Banana (onde hoje está o Memorial da América Latina), que no início do século passado, era um local para as rodas de Tiririca e de batuque trazidos pelos ex-escravos.
Dionísio Barbosa, fundador do primeiro cordão de Carnaval e o deus Dionísio, da tragédia grega As Bacantes estão presentes no espetáculo. O ator Alexandre Krug dá vida aos personagens, dividindo seu corpo em dois.
PROMETEU NO MINHOCÃO
BARAFONDA tem início na Praça Marechal Deodoro bem embaixo do Elevado Presidente Costa e Silva, mais conhecido como Minhocão. Lá estará preso nas vigas do Elevado, o personagem Prometeu, que será libertado e encontrará Dionísio. Um cortejo levará os personagens pelas ruas do bairro até a sede da Cia São Jorge de Variedades, na Rua Lopes de Oliveira.
Na sede da Cia, o público poderá entrar e conferir mais um trecho do espetáculo. Na parede estará um mapa com o trajeto da montagem. “Nossa sede estará aberta e na linha de tempo da peça simboliza o momento presente, onde os artistas criam e refletem sua leitura do mundo de hoje. Camarins abertos, adereços, figurinos e contrarregragens a mostra, o público terá a oportunidade de conhecer nossa casa/teatro”, conta Patrícia.
Para amarrar todo enredo do espetáculo, o ator Flávio Porto, 75 anos, morador da Barra Funda e integrante da Companhia Paidéia de Teatro, foi convidado pela Cia São Jorge para ser o Senhor Barafonda, uma espécie de narrador. O personagem, uma figura fantasmagórica, estará num triciclo e será o responsável pro contar as histórias do bairro.
Depois da sede da Cia, a montagem segue pela Rua Lopes de Oliveira atravessa a linha do trem por uma passarela e termina na Praça Nicolau de Morais Barros. “Faremos uma festa com comes e bebes e muita música. O desejo é reunir a plateia que vem de fora com moradores do bairro”, finaliza a atriz.
Assista trechos do espetáculo:
A Cia São Jorge de Variedades já venceu duas vezes o Prêmio Shell de Teatro com os espetáculos O Santo Guerreiro e o Herói Desajustado (melhor figurino) e Quem Não Sabe Mais Quem é, o Que é e Onde Está, Precisa se Mexer (categoria especial pela pesquisa e criação).
Olha eu aí embaixo, sentado na barbearia do Sr. Miguel Arcanjo, durante o espetáculo.
Olha eu aí embaixo, sentado na barbearia do Sr. Miguel Arcanjo, durante o espetáculo.
Fotos de Alexandre D'Angeli
BARAFONDA – Estreou no dia 4 de maio, sexta-feira, às 15 horas, na Praça Marechal Deodoro (cruzamento da Av. Angélica com a Rua das Palmeiras). Criação, Dramaturgia e Direção – Cia São Jorge de Variedades. Coordenação do Projeto – Patrícia Gifford. Elenco – Alexandre Krug, André Capuano, Angela Maria Prestes, Anna Cosenza, Bárbara Bonnie, Caco Pontes, Camilla Martinez, Carol Portela, Cristiano Kunitake, Dárcio de Oliveira, Fernanda Machado, Georgette Fadel, Isa Santos, Ivan Zancan, Jonathan Silva, José Andery, Antonia Mattos, Juliana Amorim, Leandro Rosario, Majo Sesan, Marcelo Reis, Maria Carolina Macari, Marina Donati, Marita Prado, Mauro Grillo, Patrícia Gifford, Paula Klein e Rogério Tarifa. Participação especial – Flávio Porto. Direção Musical – Lincoln Antônio. Música Original – Jonathan Silva, Lincoln Antônio e elenco. Direção Vocal – Lucia Gayotto. Direção de Movimento – Jorge Garcia. Direção de Arte – CasadaLapa – Julio Dojcsar e Silvana Marcondes. Design Gráfico – Sato – CasadaLapa. Direção de Produção – Carla Estefan. Assistente de Produção – Isabel Soares. Duração – 240 minutos. Temporada – Sextas-feiras às 15 horas (dias 19 de maio, 2 e 16 de junho, sábados, também haverá apresentação às 15 horas). Indicação livre (não recomendado para menores de 10 anos desacompanhados). Grátis. Até 22 de junho.
Informações importantes
*Espetáculo itinerante, percorre 2km de ruas do bairro da Barra Funda.
*Sugerimos não carregar volumes pesados e usar calçados e roupas confortáveis.
*Em caso de chuva o espetáculo não será apresentado. Confirme as apresentações pelo telefone (11) 3824-9339.
*Para maior conforto, a Cia São Jorge de Variedades sugere ao público que não for utilizar transporte público, que deixe seu veículo nas proximidades da sede da Cia São Jorge, localizada no meio do percurso que o espetáculo faz pelas ruas da Barra Funda.
CASA DE SÃO JORGE – Rua Lopes de Oliveira, 342 – Barra Funda (próximo a estação Marechal Deodoro do metrô). Telefone: (11) 3824-9339. Acesso para deficientes físicos.
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