Pular para o conteúdo principal

Entrevista com Beto Bruel para a Folha de São Paulo

3201460844_4867608fa0

Beto Bruel ilumina cena teatral desde os anos 70
Iluminador possui perfil obsessivo que agrada a muitos diretores do país
Veterano autodidata já trabalhou no cinema, iluminou shows de MPB e diz que tenta "entrar no cérebro do diretor"
Se teve alguém que marcou presença nesta edição do Festival de Curitiba -encerrada no último dia 10- foi o iluminador Beto Bruel.
Era comum vê-lo em plateias, pelas ruas da cidade acompanhando o fluxo de espectadores com seu jeito bonachão. Ou, ainda mais frequente, no "backstage" de algum espetáculo.
Isso porque cinco montagens tinham iluminação assinada por ele, entre elas "Murro em Ponta de Faca", dirigida por Paulo José, e "Trilhas Sonoras de Amor Perdidas", de Felipe Hirsch, impulsionada pela meia-luz do aconchego de um lar.
Veterano autodidata que iniciou sua carreira nos anos 70 com um grupo amador de Curitiba, Bruel tem um perfil obsessivo que os diretores adoram. Obsessivo no bom sentido. "Quanto mais ensaios eu vejo, quanto mais ouço sobre o conceito da peça, mais posso entrar no cérebro do diretor", explica.

naosobreoamor%202Hirsch, parceiro de trabalho há mais de 15 anos, conta que Bruel não desiste nunca de um projeto, mesmo quando as soluções parecem inalcançáveis. Caso de "Não Sobre o Amor" (foto ao lado), quebra-cabeça que em 2009 rendeu a Bruel o principal prêmio de iluminação no World Stage Design, o Oscar de quem trabalha com recursos cenográficos, em Seul.
No espetáculo, cabia a ele iluminar a cena com holofotes que deveriam ficar localizados atrás das paredes do cenário. Luz frontal estava fora de cogitação. Os fachos, enfim, vazavam por duas janelas. "Cenário grandiosos são nossos inimigos mortais. Alguns diretores acham que luz faz curva", ele brinca.
MUITA PESQUISA
Para conseguir um bom resultado, Bruel passou dias pesquisando tipos de madeira (e de verniz) que pudessem refletir esses fachos e tornar a ambientação nítida e uniforme. O madeiramento foi usado pela cenografia de Daniela Thomas, outra velha parceira da Sutil Companhia, dirigida por Hirsch.
Foi com Thomas e com a Sutil que Bruel fez seus principais trabalhos. Sete deles foram indicados ao Shell, e três foram vencedores.
São todos trabalhos meticulosos que revelam o olhar de alguém dedicado a uma pesquisa que entrelaça conceito e tecnologia.
Bruel hoje está de olho nas marcas de LED que não gastam energia como as tradicionais lâmpadas parabólicas. "O cenário de "Pterodátilos" fica um forno", ele protesta. "Não sei como o [Marco] Nanini aguenta."
Sua sensibilidade visual também aponta para um outro problema crônico: ano a ano, espetáculos necessitam de mais de luz. "Perdemos referência do que é o escuro, porque não ficamos nunca no escuro." Da porta de um teatro no centro de Curitiba ele aponta a rua: "Tudo ali fora está iluminado demais".
Suas experiências também lhe conferiram um papel incomum entre iluminadores. Ele dá palpites na direção. Peças baseadas em contos de Dalton Trevisan, por exemplo, pedem luz indireta "para não quebrar o clima sórdido, acentuar a mesquinhez dos personagens".
Também houve o famoso caso em que ele determinou que uma cena do espetáculo "Colônia Cecília" deveria ter luz clara e chapada. O diretor Ademar Guerra havia pedido "clima de penumbra" para representar o dia que seguiria uma manhã com geada. Só que Bruel apontou um erro: depois de geada sempre faz dia de sol forte e claro, principalmente em Curitiba.
Além do extenso trabalho com a Sutil, o iluminador trabalhou com os diretores Edson Bueno e Hector Babenco e também fez projetos para shows de Caetano Veloso com Roberto Carlos.

Técnico é exímio descobridor de novos talentos
"Beto Bruel é de uma geração de técnicos autodidatas formada principalmente no convívio com alguns mestres do teatro nacional", explica Valmir Santos, editor do "Jornal do Teatro" e membro do júri do Prêmio Shell, o mais importante no Brasil.
O diretor Ademar Guerra (1933-1993) foi um desses mestres, de quem -conta Santos- Bruel herdou as possibilidades de uso da luz branca, o que pode ser visto em espetáculos curitibanos como "Colônia Cecília (Um Pouco de Ideal e de Polenta)", "Noite na Taverna" e "O Vampiro e a Polaquinha".
O crítico aponta outras duas virtudes no trabalho de Bruel: a generosidade de formar jovens talentos que lhe fizeram assistência, como Nadja Naira, iluminadora e atriz integrante da Companhia Brasileira de Teatro, grupo que despontou no cenário curitibano, vencedor de um prêmio Bravo em 2010.
"É também um profissional com capacidade de falar a mesma língua de criadores que têm assinaturas visuais poderosas, como a cenógrafa Daniela Thomas e os diretores Felipe Hirsch e Hector Babenco", conclui.
Hirsch afirma que, com seu perfil perfeccionista, Beto Bruel assume um papel fundamental na Sutil Companhia. "A gente pensa no conceito do espetáculo juntos: eu, ele e a Daniela [Thomas]. E ele cobra bons resultados".
Segundo o diretor, Bruel é também um excelente criador de frases rebuscadas. Hirsch diz que se lembra "de uma situação em que as coisas ficaram muito complicadas perto da estreia. Quando entramos em cartaz, ele soltou "Invadimos a Rússia no Inverno'".

MATÉRIA DE GUSTAVO FIORATTI EM COLABORAÇÃO PARA O JORNAL A FOLHA DE SÃO PAULO

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

JC Serroni em editorial sobre decor inspirado em obras teatrais e ópera

Sob a batuta do mestre da cenografia J. C. Serroni, Casa Vogue produziu para sua edição 320 um ensaio fotográfico que leva a magia do teatro para o universo da decoração de interiores. São ambientações que convidam o leitor a imaginar espaços residenciais como verdadeiros cenários de peças e óperas como A Flauta Mágica , de Mozart, Dias Felizes , de Samuel Beckett, Senhora Macbeth , adaptação de Griselda Gambaro para Macbeth de Shakespeare, e a brasileiríssima Toda Nudez Será Castigada , de Nelson Rodrigues. Toda Nudez Será Castigada , de Nelson Rodrigues. A Flauta Mágica , de Mozart Dias Felizes , de Samuel Beckett Senhora Macbeth , adaptação de Griselda Gambaro para Macbeth de Shakespeare Na página da Casa Vogue é possível conferir o vídeo com o making of da sessão de fotos: http://casavogue.globo.com/interiores/video-teatro/

BARAFONDA - Cia. São Jorge de Variedades

Estive na tarde de sexta-feira, dia 4/6 acompanhando a Cia. São Jorge de Variedades pelas ruas do bairro da  "BARAFONDA", alias, Barra Funda - o primeiro é o nome da nova montagem da  premiada companhia. Com duração de 4 horas e com um trajeto de quase dois quilômetros, que confesso, não se percebe, o espetáculo tem início na Praça Marechal Deodoro, depois segue pela Rua Lopes de Oliveira, atravessa a linha do trem por uma passarela e termina na Praça Nicolau de Morais Barros. São 25 atores e 4 músicos em cena, 150 figurinos e dois pequenos carros alegóricos. Em 2010, entrevistei o coletivo de arte CASA DA LAPA , que novamente assina a direção de arte desse novo trabalho. Um grupo afinado com a pesquisa da cia. e que neste novo projeto parece traduzir ainda mais as aspirações estéticas da São Jorge. Materiais que são descartados pela cidade, aparecem em diversos adereços ou complementando  parte da cenografia que tem a cidade em plena atividade como p

Eiko Ishioka

Faz um tempo que estou ensaiando para criar um post a respeito de Eiko Ishioka , premiada figurinista, designer gráfica e artista multimídia, que morreu em janeiro deste ano vítima de um câncer no pâncreas aos 73 anos. Mais conhecida por seus figurinos ousados e surreais, atrelados à produções de fantasia e sinônimos de visuais arrebatadores, Eiko foi vencedora de um Oscar por “Drácula de Bram Stoker” (1992). Nascida em Tóquio em 12 de julho de 1938, ela sempre foi encorajada artisticamente por seu pai, um designer gráfico, que apesar do apoio também a alertou que seria mais fácil ser bem-sucedida em outra área que não a artística – felizmente, estava errado. Eiko se formou em 1961 na Universidade Nacional de Belas Artes de Tóquio e juntou-se à divisão de propaganda da gigante dos cosméticos Shiseido. Em 1973, recebeu o convite para desenvolver seu primeiro comercial – para a Parco, uma rede de complexos de butiques. A peça trazia uma mulher negra alta de biquini preto, dança