Elisa, qual sua formação e e como teve início seu trabalho com máscaras, sobretudo, com a confecção? Eu me formei em Artes Cênicas na Universidade de São Paulo em 2003 e atualmente realizo, na mesma universidade, uma pesquisa de mestrado voltada ao estudo de confecção de máscara e o trabalho do ator. O interesse pela máscara surgiu há quase dez anos, quando tive meu primeiro contato com a modelagem de uma máscara. Participava como atriz de um grupo de teatro de rua e decidimos naquele momento criar nossas próprias máscaras, a partir das figuras conhecidas da Commedia dell´Arte. Criei minha primeira máscara, a “Kina”, inspirada no arquétipo de Arlequim, de cor vermelha e uma grande abertura na parte inferior, possibilitando um largo sorriso. A consistência da argila, sua mistura resultando em expressões e fisionomias diversas, despertou enorme interesse, passei então a confeccionar outras máscaras, um mergulho entre volumes e formas.
Durante os processos de modelagem das máscaras para os espetáculos da Cia Troada, fui percebendo que para poder desenvolver maior autonomia na criação das máscaras era preciso maior instrumentalização na arte de confecção. Então em 2008 realizei um estágio com a companhia alemã Familie Flöz em Berlim, acompanhei o trabalho de criação de máscaras de Hajo Schüler, um processo muito rico que me mostrou novas técnicas e procedimentos. Ainda com desejo de me aprofundar nos estudos de confecção de máscaras me inscrevi e fui aceita na XXIV edição do Seminário Internazionale Arte della Maschera, no Centro Maschere e Estrutture Gestuali em Abano Terme, na Itália em 2009, conduzido por Donato Sartori. (Esse seminário é um curso de especialização na área de confecção de máscaras teatrais conhecido mundialmente, freqüentado por artistas plásticos, atores e arquitetos de diferentes países. Nesse curso aprendemos várias técnicas de modelagem, inclusive a modelagem em couro, a partir de um trabalho de escultura na madeira. Sem dúvida uma experiência única, de mergulho na tradição de confecção de máscaras, fundamental para o meu trabalho.
E a respeito da máscara no trabalho da Cia. Troada, mais especificamente no espetáculo “A porta”? A Cia Troada nasceu do desejo de trabalhar com máscaras, mais especificamente, do desejo de trabalhar com novos tipos de máscaras que fugissem dos tipos conhecidos da Commedia dell´Arte. Dentro dessas perspectivas realizamos a montagem de quatro espetáculos e, nesse percurso, paralelamente ao trabalho de atriz, assumi no grupo a responsabilidade como “mascareira”, buscando novas concepções de máscaras. Para cada espetáculo realizei uma pesquisa de imagens e de artistas que melhor representavam o universo que pretendíamos abarcar e esse era o meu ponto de partida para a elaboração das máscaras.
Ao longo da trajetória, construímos três espetáculos na busca de uma poética própria, calcada no trabalho corporal e na utilização da máscara como elo para a construção de um universo mais onírico/ fantástico. Foi no quarto espetáculo, A PORTA, que melhor conseguimos atingir nosso objetivo; uma construção cênica mais poética e visual, um desapego ao texto e a palavra. Trata-se de máscaras mais humanas, aproximando-se da caricatura. São máscaras inteiras, um pouco maiores proporcionalmente em relação ao rosto humano, e não permitem a fala. Assim, o trabalho de interpretação com elas pede aos atores uma escolha dos gestos e maior precisão nas ações. Ao mesmo tempo como são máscaras grandes, elas também estabelecem uma relação de tempo distinto do tempo cotidiano, que se torna vezes mais lento para que o público acompanhe as pequenas mudanças e sutilezas.
Como nasce uma máscara?
Inicialmente nasce da minha imaginação, a partir do roteiro da peça e das descrições do caráter e definição dos personagens. Estabeleço algumas características físicas básicas e em seguida parto para uma pesquisa de imagens. Assim, para cada espetáculo procuro referências iconográficas distintas que se aproximam da estética relacionada à encenação. Para nossa primeira montagem “Espera”, uma adaptação de Esperando Godot, obra de Samuel Beckett, obtive como base um estudo sobre o universo do grotesco e utilizei imagens da obra de Pieter Bruegel. Da mesma forma, para a Metamorfose, nosso segundo espetáculo, uma adaptação do texto de Franz Kafka, utilizei imagens de Francis Bacon e assim por diante.
No espetáculo A Porta, utilizei como base para a criação, caricaturas que se aproximavam das figuras da peça. Fiz também desenhos e pinturas para no momento da modelagem na argila poder me aproximar mais do ideal esperado.
A modelagem da máscara é feita na argila, em seguida faço um negativo de gesso ou silicone, sobre o qual será feita do empapelamento (papel machê). No final essa máscara de papel tem um tratamento e é realizada a pintura. Então, quando a máscara está no rosto do ator, sendo experimentada é que sei se ela é capaz de ter vida e se “funciona” na cena. Pois uma boa máscara para o teatro, não é necessariamente bela, ela precisa ser “maleável”, ter anglos que permitam a configuração de expressões distintas através da movimentação do ator. Posso dizer que é um trabalho de grande expectativa, pois só sei se atingi meu objetivo no final de um processo longo e trabalhoso.
O que destaca do processo de trabalho do espetáculo “A porta”? Confeccionar as máscaras para esse espetáculo foi sem dúvida uma experiência muito intensa, pois durante o dia eu trabalhava na oficina, criando as máscaras, e à noite era o nosso período de ensaio. Foram seis meses dedicados a esse trabalho, e apenas isso, ou tudo isso! Durante os ensaios, enquanto atuava como atriz, ficava mais claro para mim como eram as máscaras que precisávamos para o espetáculo. E enquanto eu confeccionava e modelava as máscaras, também podia visualizar a cena e materializar algumas ideias discutidas com o grupo. Ou seja, uma pesquisa relacionada à estética da concepção cênica e, ao mesmo tempo, uma pesquisa interna relacionada ao trabalho de interpretação.
Veja abaixo um trecho do espetáculo que faz hoje sua última apresentação da tempora realizada no Teatro João Caetano em São Paulo.
Fotos divulgação.
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