Pular para o conteúdo principal

Olintho Malaquias - figurinista

oli

 

Encontrei Olintho em Curitiba, em razão do Festival de Teatro. Ele e Chris Aizner estavam acompanhando a estreia de Travesties da Cia de Ópera Seca. Naquela ocasião, fiz uma rápida conversa em meio a entrada e saída de atores aflitos para ajustes finais de figurino. Fiquei de entrevistá-lo posteriormente e ontem, 5 de maio, Olintho recebeu o prêmio Carlos Gomes de Ópera na categoria figurino, depois de ser indicado por três montagens:  Sansão e Dalila e Os Troianos, ambas realizadas em Manaus e O Barbeiro de Sevilha em São Paulo.

Começo perguntando qual é a impressão que ficou do Festival e como está o Olintho pós Curitiba? Travesties foi um batismo de fogo, a minha estreia em Curitiba, pois mesmo fazendo teatro há algum tempo nunca tinha ido ao Festival. Foi um processo extremamente prazeroso, mesmo sendo tão corrido. Trabalhar com o Chris e com o Caetano Vilela é um prazer e pelo tempo que já estamos juntos, nos entendemos muitíssimo bem.- falamos a mesma língua. Passado aquilo tudo, já estamos em uma ópera de autoria de Gilberto Mendes, que estreia em junho no Theatro São Pedro em São Paulo. A encenação, que tem o nome de “Ópera Livre para soprano, halterofilista e o público que aplaude”, faço o figurino e o Chris a cenografia. Criamos um trabalho bem contemporâneo - é quase uma performance. Também assinarei os figurinos do espetáculo “Vilcabamba” com as meninas do Le Plat Du Jour, que estreia também em junho no Sesi Vila Leopoldina.

3

Foto de Gabriel Lehto

Você dedica-se exclusivamente a criação de figurinos. Como foi sua formação? Faço eventos de publicidade para “segurar a onda” de teatro e ópera. Infelizmente, os trabalhos com uma proposta mais artística são os que menos garantem boa remuneração, entretanto, são estes que me enriquecem enquanto indíviduo. Minha formação foi bem prática. Em 1993 fiz um curso técnico em estilismo no Senac. Era um período que não tínhamos ainda no Brasil um curso superior de formação em moda. Depois trabalhei numa confecção, criando e desenvolvendo modelagem. Em 1995, conheci Luciana Bueno, uma cenógrafa, que costumo dizer, “injetou serragem nas minhas veias”. Isso me  deixou apaixonado pelo teatro e pelo ofício de figurinista e cenógrafo. Daí em diante, nunca mais parei. Fiz assistência para todos os bons profissionais daquela época. Também participei do CTP com o Serroni, depois fiz assistência para Daniela Thomas e Renato Theobaldo. Fui me profissionalizando assim, até que fui parar no Oficina com o Uzina Uzona e literalmente me formar (risos).

1

Foto de Gabriel Lehto

Sobre os diretores com os quais trabalhou, qual deles mais te influenciou ? Sem dúvida, Zé Celso. Conto isso, pois tinha pavor de entrar na Cia. (risos)  Até hoje é difícil relaxar pra apresentar minhas idéias, entretanto, o Oficina foi minha escola e minha casa. Entrei na companhia por meio da Sylvia Prado. Em 1999, me convidaram para fazer o figurino do espetáculo Boca de Ouro. Naquela ocasião eu vinha com referências importadas para mostrar ao Zé Celso e ele perguntava: “e na arte brasileira?” Aos poucos fui compreendendo e revendo meus conceitos a respeito da nossa cultura. Lembro de apresentar as pranchas do figurino da Guigui, um vestido que o Zé queria que fizesse barulho enquanto ela andasse  e que eu sugeri um Saint Laurent lindo em tafetá verde, bem anos oitenta, mas que lembrava o “shape” dos anos cinquenta. Fiz um croquí e apresentei. O Zé olhou e a primeira coisa que disse foi: “mas e o verde da Tarsila? Eu quero o verde dos quadros da Tarsila!” Com isso, saí correndo para conferir se era mesmo o verde de Tarsila  em Abaporu.  Outro grande aprendizado foi lidar com a questão espacial do oficina para criar meus figurinos, pois o ator está numa caixa de seis lados, o figurino tem que ser pensado de frente, costas, os lados, o alto e o baixo. Tudo é visto pelo público, quer seja num momento ou outro. Também fui enriquecido pela quantidade e sobretudo, qualidade  das informações vinda de Zé Celso e da necessidade de articular tudo para desenvolver as indumentárias. Em Cacilda - não adiantava pensar em um só lado do personagem, havia a necessidade de estudar a história de “todos” que a enriqueciam e contribuiam com sua formação. Em Os sertões havia persongens que traziam informações de pelo menos três indivíduos diferentes, como a atriz que interpretava a Terra, em seguida a Santa Mãe e finalmente Ana de Assis. Era necessário pensar os trajes de maneira que tivessem características  que pudessem servir para os três personagens. Confesso que é um processo enlouquecedor, mas riquíssimo. 

croq Como costuma criar seus figurinos? Fale um pouco sobre os recursos que utiliza para realizar seus projetos e apresentar suas ideias. É fundamental  que haja um bom entrosamento com o diretor para um diálogo preciso onde fique claro o que se quer e as reais necessidades da montagem em relação aos figurinos. Também converso muito com o cenógrafo a fim de saber a respeito do espaço. Que espaço é este onde os personagens circularão? Costumo assistir filmes pertinente ao tema, principalmente se for algo de uma época distinta. Também consulto livros e revistas. Em seguida, passo para as ilustrações. Prefiro desenhos à colagens. Com este material monto um caderno com pranchas de referência, proposta com cartelas de cores e referências de tecido. Preciso dos tecidos para mostrar o volumes e caimento, inclusive já avisando da sonoridade que o figurino pode ter. Fiz um trabalho com o Rodrigo Matheus, que tinha início com todos os personagens usando capotes de nylon e o som do material em movimento foi usado como música, propondo uma coreografia.

croq4 

Como vê o ofício do figurinista atualmente? Você acompanha outros espetáculos? Quais suas referências?  É como o ditado popular da “casa de ferreiro”, fazendo figurino acabo tendo pouco tempo para ver outras coisas  e até mesmo para prestigiar trabalhos de amigos. Recentemente estive no Espaço dos Fofos e amei Memória da Cana. Também não perco nada do Grupo Corpo e estou bem entusiasmado para conferir O Idiota com direção da Cibele Forjaz.

2

Foto de Gabriel Lehto

Como foi sua entrada na ópera? Foi convite do Chris Aizner, que me apresentou ao Caetano Vilela. Na ocasião, ambos trabalhavam em uma ópera russa - Lady MacBeth do Distrito de Mtzensk para  a estreia no XI Festival Amazonas de Ópera. O Chris faria o cenário e figurino e devido a grande quantidade de trabalho, preferiu repassar o figurino. Depois do trabalho realizado, o Caetano satisfeito com o resultado, me possibilitou realizar mais dois projetos: Ça Ira - única ópera do Roger Waters e primeira montagem no mundo e Ariadne auf Naxos. Entre estes dois trabalhos também fiz uma montagem com a Livia Sabag de Matrimônio Secreto no Theatro São Pedro. Entretanto, no ano passado fiz Sansão e Dalila com direção do Emilio Sagi que é um dos grandes encenadores de ópera da Europa. Também realizei os figurinos para  Os Troianos com direção do Caetano Vilela que me possibilitou usar tudo que sei a respeito de figurino e da religiosidade afrodescendente. Fechei o ano de 2009 com O Barbeiro de Sevilha.

san2 Foto de Andres Costa

Qual a principal diferença entre fazer figurino para ópera e o teatro? A ópera sempre é mais rica. Na criação, o príncipio é o mesmo, sendo que na ópera a temperatura das cenas, o ápice dos conflitos e resolução são dados pela música. Já o teatro, além de mais livre, tem mais surpresas neste sentido, a gente descobre intenções somente nas leituras ou observando as linhas de interpretação ou direção.  Outra característica importante para criar figurinos de ópera é pensar no conforto dos cantores, pois precisam estar bem para que nada atrapalhe além do canto a interpretação, ou seja, nada de chapéu vacilante, vestido justo demais ou calçados apertados. No teatro, penso que há vezes em que isso ajuda na composição do personagem, desde que feito estrategicamente e sem machucar o ator. A ópera permite, além de sugerir um exagero, experimentar modelagens, texturas e sobretudo cores. Todo este excesso é permitido, enquanto no teatro as nuances são muitas vezes sugeridas pela interpretação dos atores.

Dido_Final Você costuma executar partes da confecção do figurino, ou terceiriza tudo? Gostaria de ter mais tempo para executar a confecção dos figurinos e acho que é o sonho de todo figurinista. Entretanto, o que mais gosto e a busca por materiais. Já tive vários assistentes, mas nunca deixo de visitar a rua Vinte e Cinco de Março, ou outros fornecedores. Já encontrei a solução para uma questão de textura na sobreposição de três tecidos diferentes,  que um assistente não conseguiria resolver. Há um olhar que é resultado da experiência. Também gosto da modelagem e do corte, tanto que fico de olho na mesa de corte sempre que posso. Odeio costurar, mas customização é obrigatoriedade de todo bom figurinista. Alguns figurinos mais realistas permitem isso, ai acompanhando os ensaios, observo a vestimenta envelhecer aos poucos e vou acrescentando detalhes. Já ouvi uma vez no Teatro Oficina: mas o figurinos não tá pronto? Tá, mas sempre falta uma coisinha, um bordadinho ou botão. (risos)

Dos projetos que realizou qual deles destaca? O figurino da Terra, em Os Sertões, me rendeu uma indicação ao Shell e sou apaixonado pelo processo, pelo experimentalismo. Pude criar o figurino a partir da criação do tecido, tinha que ser algo orgânico e propus todo em tiras de elástico, em camadas de várias larguras e tamanhos diferentes. O elenco quis morrer quando viu o protótipo, mas o Zé bancou e entendeu. Em seguida, em multirão, o elenco ajudou a envelhecer as peças. Também destaco o figurno de Ça Ira que trouxe todo o universo do circo para a ópera. Foi um prazer trabalhar à corte francesa para ballet e ópera. Muito trabalho e muitos personagens, mas um processo riquíssimo!

san3 Foto de Andres Costa 

Destaco também os trabalhos pelos quais recebi o prêmio Carlos Gomes de Ópera. Sansão e Dalila, pela contemporaneidade e sofisticação no retrato do casal pensado por Emilio Sagi. A entrada da Dalila é um arraso, com um cenário todo espelhado. Há um mar de vermelho que sai do vestido dela tingindo todo o cenário - é lindo. Os Troianos,  por colocar o Candomblé na sala de teatro, transformando os mitos e heróis gregos em orixás africanos. A sequência do Cavalo de Tróia como Exu, com um ator em cima de uma enorme cabeça de madeira. É algo de arrepiar. Finalmente, O Barbeiro de Sevilha, num equilíbio entre o exagero da cultura espanhola e seus personagens marcantes.

O Manga parabeniza Olintho pelo prêmio e deseja muito sucesso!

Comentários

  1. Acompanho o trabalho do Olintho há muitos anos, além de sensível é um profissional competente que se entrega de corpo e alma, ama o que faz e dedica a vida dele ao teatro.
    Parabéns e muito sucesso!
    Beijo carinhoso e abraço apertado
    Patricia Bonadio

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Bem vindo ao MANGA CENOGRÁFICA. Deixe seu recado.

Postagens mais visitadas deste blog

JC Serroni em editorial sobre decor inspirado em obras teatrais e ópera

Sob a batuta do mestre da cenografia J. C. Serroni, Casa Vogue produziu para sua edição 320 um ensaio fotográfico que leva a magia do teatro para o universo da decoração de interiores. São ambientações que convidam o leitor a imaginar espaços residenciais como verdadeiros cenários de peças e óperas como A Flauta Mágica , de Mozart, Dias Felizes , de Samuel Beckett, Senhora Macbeth , adaptação de Griselda Gambaro para Macbeth de Shakespeare, e a brasileiríssima Toda Nudez Será Castigada , de Nelson Rodrigues. Toda Nudez Será Castigada , de Nelson Rodrigues. A Flauta Mágica , de Mozart Dias Felizes , de Samuel Beckett Senhora Macbeth , adaptação de Griselda Gambaro para Macbeth de Shakespeare Na página da Casa Vogue é possível conferir o vídeo com o making of da sessão de fotos: http://casavogue.globo.com/interiores/video-teatro/

BARAFONDA - Cia. São Jorge de Variedades

Estive na tarde de sexta-feira, dia 4/6 acompanhando a Cia. São Jorge de Variedades pelas ruas do bairro da  "BARAFONDA", alias, Barra Funda - o primeiro é o nome da nova montagem da  premiada companhia. Com duração de 4 horas e com um trajeto de quase dois quilômetros, que confesso, não se percebe, o espetáculo tem início na Praça Marechal Deodoro, depois segue pela Rua Lopes de Oliveira, atravessa a linha do trem por uma passarela e termina na Praça Nicolau de Morais Barros. São 25 atores e 4 músicos em cena, 150 figurinos e dois pequenos carros alegóricos. Em 2010, entrevistei o coletivo de arte CASA DA LAPA , que novamente assina a direção de arte desse novo trabalho. Um grupo afinado com a pesquisa da cia. e que neste novo projeto parece traduzir ainda mais as aspirações estéticas da São Jorge. Materiais que são descartados pela cidade, aparecem em diversos adereços ou complementando  parte da cenografia que tem a cidade em plena atividade como p

Eiko Ishioka

Faz um tempo que estou ensaiando para criar um post a respeito de Eiko Ishioka , premiada figurinista, designer gráfica e artista multimídia, que morreu em janeiro deste ano vítima de um câncer no pâncreas aos 73 anos. Mais conhecida por seus figurinos ousados e surreais, atrelados à produções de fantasia e sinônimos de visuais arrebatadores, Eiko foi vencedora de um Oscar por “Drácula de Bram Stoker” (1992). Nascida em Tóquio em 12 de julho de 1938, ela sempre foi encorajada artisticamente por seu pai, um designer gráfico, que apesar do apoio também a alertou que seria mais fácil ser bem-sucedida em outra área que não a artística – felizmente, estava errado. Eiko se formou em 1961 na Universidade Nacional de Belas Artes de Tóquio e juntou-se à divisão de propaganda da gigante dos cosméticos Shiseido. Em 1973, recebeu o convite para desenvolver seu primeiro comercial – para a Parco, uma rede de complexos de butiques. A peça trazia uma mulher negra alta de biquini preto, dança