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casadalapa - por Júlio Dojcsar, Silvana Marcondes e Sato

Domingo passado, estive no bairro da Barra Funda para assistir ao espetáculo O Santo Guerreiro e o Herói Desajustado, local onde também fica a sede da Cia. São Jorge de Variedades.

A montagem é um espetáculo de rua que promove a fusão entre um clássico da literatura universal e a tradição popular brasileira. A montagem carnavalesca de um hipotético encontro entre Dom Quixote e São Jorge – o espírito crítico frente à miséria urbana e o espírito celebrativo dos ciclos da vida – promove uma reflexão sobre o sentido do herói na grande metrópole nos dias de hoje, pondo lado a lado a força da imaginação individual para romper uma realidade problemática e a força da coletividade que se liga espiritualmente à Terra. O roteiro se desenvolve como num desfile de escola de samba, com samba-enredo, diferentes alas e carros alegóricos.

A direção de arte (cenografia, figurinos e adereços) ficou a cargo dos artistas Júlio Dojcsar, Silvana Marcondes e Fernando Sato, que integram a casadalapa, que é uma ocupação coletiva de 13 artistas de diferentes atuações artísticas, como cinema e vídeo, artes plásticas, artes gráficas, web designer, teatro, produção sonora, fotografia e grafite.
Começo perguntando como a Cia. São Jorge chegou até a casadalapa e como foi a experiência de executarem este trabalho a várias mãos?
Somos parceiros da cia. São Jorge desde a sua fundação, o Sato sempre criou e executou toda a parte gráfica e de comunicação. O Julio foi integrante do grupo nos espetáculos Bidermam e os Incendiários e Bastianas. A Silvana fez o seu primeiro trabalho  também junto a cia.

Qual a experiência da casadalapa com o seguimento de cenografia e figurino?
Na casadalapa somos nós: Julio, Sato e Silvana, que representamos o coletivo nestas áreas. Estamos nesta segmento há mais de quinze anos, trabalhando em diversas do teatro, com vários grupos e diretores. Atuamos também com cenografia e figurino para cinema, moda, televisão e montagem de exposições. Podemos destacar o trabalho do figurino na mini-série “Hoje é dia de Maria”, na qual a Silvana foi uma das encarregadas e parceira de criação e desenvolvimento de conceito com o estilista Jum Nakao nos últimos seis anos, nos quais o Júlio também esteve presente.

Um espetáculo para a rua e com um elenco grande como o do Santo Guerreiro deve ter exigido bastante da equipe. Como foi este processo?
Partimos da nossa experiência em intervenção urbana para somar outras formas de chegar ao publico, como a estética das festas populares brasileiras, dando destaque a presença do encarnado e da cor azul, que encontra-se nos pastoris, no boi de Parintins, no reisado, bumba meu boi e outras manifestações culturais, além de darmos maior destaque às alegorias de carnaval. Durante o processo percebemos que havia a necessidade de criar uma cenografia que fosse móvel, como os carrinhos de ferro que são suporte da banda musical e o camarim dos atores. Muitas cenas são ilustradas ou nascem a partir dos adereços que os próprios atores usam, como a do homem-placa, que é a própria barraca do camelô. Em seguida, estas placas agrupadas formam o corpo de um dragão.

Por ser uma montagem ao ar livre, como escolheram os materiais? 
Fazer figurinos e cenário para uma companhia como a São Jorge, que é guerreira de estrada, exige um cuidado dobrado com a escolha e resistência dos materiais, pois o desgaste é muito grande. Buscamos com estes materiais, promover durabilidade e vida longa para cada objeto,  que foi confeccionado  com extrema atenção aos acabamentos.


O que destaca do trabalho feito por vocês para O Santo Guerreiro? 
Pensamos o cenário e o figurino como peças da dramaturgia, este foi o nosso maior empenho. Procuramos também desenvolver objetos cênicos que fossem práticos para o contexto da rua, além do enfoque popular. Nossa equipe promoveu muitas discussões em torno do conceito de cada etapa da peça, inclusive questionamos o núcleo de dramaturgia para que considerassem alguns signos do espetáculo.

Como foram definidas as funções e quanto tempo ficaram envolvidos no processo de produção do espetáculo?
Definimos uma metodologia de trabalho, configura em reuniões de criação, que possibilitou que cada profissional trouxesse sua ideia, além das trocas constantes de informação. Esses encontros aconteciam sempre após os ensaios. Quando chegamos a um acordo, apresentamos para a cia. Durante este processo de produção a Silvana coordenou a confecção dos figurinos, o Julio coordenou a confecção do cenário e o Sato ficou com artes gráficas. Tivemos ainda o Zeca Caldeira, fotógrafo que fez o material para a artes gráfica e duas estagiarias, Inês Sanches e Amália Buisson, da universidade de Coimbra. A confecção de adereços foi realizada por uma equipe maiorque contou além de nós três com a Inês, a Amália e o Walter Carvalho, que são integrante da São Jorge. Começamos acompanhando os ensaios em março de 2007, seguiu até maio. Em seguida, iniciamos a confecção do cenário e os figurinos. A estréia do espetáculo ocorreu em setembro. Portanto, da concepção a estréia, foram sete meses de muito trabalho.

Em que momento os atores se relacionaram com o que ia sendo produzido?
Criamos um ateliê para a produção dos adereços na sede da cia, que juntamente com a cenografia foram sendo confeccionados próximo ao elenco. Conforme algo ficava pronto, o ator já experimentava, levava para a cena e, se necessário, eram feitos os ajustes. Sempre estávamos nos ensaios, o que nos possibilitou acompanhar o uso dos objetos e se havia necessidade de algum ajuste ou adequação.


Quais foram as referências mais significativas para este projeto?
Sem dúvida as festas populares brasileiras, além de Artur Bispo do Rosário e as escolas de samba.

O que é legal o público ficar atento aos elementos da cenografia, do figurino ou mesmo dos adereços do Santo Guerreiro?
Todo o espetáculo se desenrola como se fosse uma escola de samba desfilando na avenida. O abre alas é composto pelos narradores em suas pernas de pau e seus costeiros, o carro alegórico da música, que retrata a bateria, a ala das baianas que é representada pelos moinhos de vento com quem Dom Quixote duela, a porta bandeira e mestre-sala são responsáveis pelo ritual da cavalaria. Há também as diversas alas que representam Dulcineia-São Paulo. Outra coisa bacana é o leque que é distribuído no início do espetáculo com o samba-enredo da escola.

Vocês foram premiados pelo prêmio Shell de melhor figurino com este trabalho. Qual a importância de uma premiação como esta?
É um prêmio muito importante do teatro paulista e foi uma honra recebê-lo. Além disso, vale contar que premiaram um espetáculo de rua, o que é difícil de ocorrer. Basta ver as edições anteriores.
Abaixo os artistas da casadalapa durante a premiação do Shell.

No espetáculo há esse paralelo do erudito presente na obra de Cervantes com seu Quixote e do popular com a figura do Santo Guerreiro São Jorge. Como foi relacionar estes dois universos e como resolveram isso na direção de arte?
Trazer Dom Quixote para realidade paulistana, pensamos que este sujeito seria idealista, latifundiário, distante da vida do povo, viveria possivelmente cercado de estórias e inventaria um amor imaginário para dar sentido a sua vida. Do outro lado, teríamos São Jorge, que é o povo brasileiro e guerreiro diário na labuta pela sobrevivência. Para fazer a aproximação destas duas figuras que representam classes distintas da nossa sociedade, procuramos representar todo o universo do herói desajustado, Quixote, em azul, algo onírico, de leveza celestial e vinda de um mundo de sonhos. Já para trazer a força dos movimentos populares e de resistência, optamos pela bandeira vermelha, que aparece sempre em punho e que cria e fortalece o universo deste Santo Guerreiro que é São Jorge.

Fotos de Alexandre D'Angeli

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