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Entrevista com Simone Mina

Quando este blog ainda era só um desejo, pensava em quais profissionais passariam por aqui, sobretudo, com qual deles faria a entrevista de abertura, pois há dezenas de bons cenógrafos e figurinistas que possuem um trabalho representativo dentro das artes cênicas e outros segmentos.

Confesso que tem sido cada vez mais difícil escolher o que assistir entre os muitos espetáculos em cartaz. Duas montagens que me tocaram bastante foram cenografadas e tiveram os figurinos feitos por uma linda e talentosa profissional chamada Simone Mina. Eu ainda não a conhecia, embora tivesse me envolvido com seu trabalho na cena final de Rainha[(s)], ficando em dúvida diante de um objeto que não contarei aqui, mas que definia o desfecho para as duas soberanas; ou ainda, me aconchegando em uma das redes que me acomodei estranhamente para acompanhar um trecho de Raptada pelo Raio. É triste saber o quanto o público desconhece o trabalho destes profissionais, que cada vez mais, interferem no acontecimento teatral, pois em ambas as montagens o público é convocado diretamente a interagir e se utilizar destes dispositivos.

Num estúdio que fica na Vila Buarque em frente à Biblioteca Municipal Monteiro Lobato - espaço coletivo de criação, composto por arquitetos, designer e produtores culturais, que Simone Mina me recebeu para conversarmos sob a guarda de dois manequins de modelagem.


Começo perguntando como tudo começou - o teatro, a cenografia e o figurino.
Sou formada em Desenho de Moda pela Faculdade Santa Marcelina, onde atualmente também leciono. No primeiro ano,  na entrega de um trabalho para uma aula de Metodologia Visual, cujo professor era Férez Koury, resolvi pintar algumas partituras que seriam descartadas pela biblioteca. Uma vez que naquelas condições não eram favoráveis para trabalhar, resolvi pintá-las  em pontos estratégicos a fim de que eu pudesse  enfim desenhar. A partir disso, foi uma descoberta, pois o papel ficava áspero, conferindo uma outra intenção, " a matéria falava outra coisa". Algo que me chamou à atenção foi que desenhando no sol, a luz revelava a fusão da partitura com o desenho. Para mostrar ao professor, criei uma instalação no corredor da Universidade com velas atrás de tripés, que foram dispostos em formato de ciranda. Ele, quando viu aquilo, me contou da relação que havia no meu trabalho com a cenografia e do olhar apurado:"muito interessante, porque você além da roupa e do desenho,também trabalhou o espaço e a luz".  Em seguida, me indicou um amigo de Faculdade - o  cenógrafo Serroni, que na ocasião havia aberto o Espaço Cenográfico. Fui procurá-lo e acabei fazendo parte da turma de formação de cenografia de 1998. E foi ali, no encerramento do curso, num trabalho de criação para o texto Toda Nudez Será Castigada, de Nelson Rodrigues, numa desistência do arquiteto que me acompanhava, que me vi diante de uma maquete, do teatro SESC Vila Mariana, espaço escolhido por mim, quebrando a cabeça com as escalas, materiais, desenhos e demais atribuições próprias da área. Fiquei apaixonada pelo imprevisto e atenta a ausência de um diretor, pois me vi tendo que pensar na encenação. Umas das questões era a plateia frontal que foi logo reconfigurada, sendo levada para o palco junto com os atores. A encenação era toda suspensa, com macas, camas genecológicas e com a cama da personagem Geni suspensa - cheias de garras.  

Em 1999 o Espaço Cenográfico foi convidado para participar da Quadrienal de Praga e entre vários projetos, o meu, foi escolhido. No mesmo ano, se deu também o meu encontro com a Cibele Forjaz por meio de um projeto de residência na oficina Cultural Oswald de Andrade, onde eu estava de passagem. Acabei sendo convidada a integrar a equipe da nova montagem de  Toda Nudez Será Castigada, que estrearia em 2000 no SESC Belenzinho com Leona Cavalli no elenco.

Simone... e o processo de trabalho? Você tem uma metodologia? Como é isso pra você?
Acredito que exista uma certa metodologia que vai se formando enquanto processo, mas que deve estar sempre aberta para o restante, no contato com a equipe. Só acho que não pode haver um congelamento de um suposto jeito de trabalhar, pois quando isso ocorre, há algo que também apodrece. Cada experiência no teatro, mesmo com Cibele, com quem tenho uma parceria de 10 anos, sempre experimento  situações novas. Algo que admiro nela é que é uma diretora que vem da luz - da iluminação,  com isso, compreende um processo que é ligado à outras referências, como os processos que são mais intuitivos.

Em Rainha[(s) estava previsto que Fernando Bonassi faria o texto, mas pelo fato das atrizes e de Cibele terem começado antes um processo com a adaptação do texto, decidiram que conduziriam também sua escrita. Neste período, eu já tinha uma questão resolvida  para o espaço onde aconteceria a encenação - seria num teatro de arena. O SESC Avenida Paulista, que nos convidou para que estreássemos lá, construiu sob nossa orientação um espaço, menos tradicional, mas com um praticável - um queijo. Como já havia uma tipologia,o que fiz foi se aprofundar no sentido - a arena, o seu começo, o embate de duas mulheres, de duas atrizes, de duas rainhas. Pensei em como seria possível resgatar o tom selvagem do qual esta tipologia está impregnada. Por meio de pesquisas, cheguei ao Labirinto do Minotauro. No dia da apresentação da proposta de cenografia, levei referências do labirinto e suas várias formas e não havia discutido  a planta com a Cibele antes, pois comumente fazemos isso. Vendo àquilo, ela afirmou que era o que faltava para que fosse construído com as atrizes uma dinâmica na arena que não as limitasse só a girar ou ocupar o centro, mas que as convocasse a se relacionar com sua espacialidade, como se fosse um jardim. Nos estudos propostos pela Bel (Isabel Teixeira), a personagem de Mary Stuart fica presa num Castelo, ou seja,  algo labiríntico. Isso, sem dúvida, potencializou minha descoberta.


E para a execução dos projetos, como costuma proceder? Há alguma etapa que você mesma faça? 
Depende do tipo de trabalho. Em Rainha[(s)],  houve uma parte que dei início por meio de moulage, mas também houve uma parte de alfaiataria, que foi contratada para realizar a modelagem dos casacos das duas personagens. Em Raptada, há figurinos que foram feitos por costureiras, mas os vestidos da  personagem da Lucia Romano são todos feitos no manequim. Fiz uma barriga no manequim, por razão da gravidez dela e modelei todos os vestidos. Eu prefiro realizar a modelagem, mesmo que saia toda alfinetada para a costureira finalizar. O manequim tem um acaso muito interessante, da matéria, você tem que domar a matéria, do têxtil. Eu gosto de ver como o tecido reage, como ele pode me dar um movimento que eu não previ no desenho.

Eu sempre costumo realizar uma pesquisa de materiais, saio às ruas, vou sentindo, tocando, mesmo quando trata-se de um trabalho maior, com assistentes. Há um encontro com a matéria que é fundamental. Mesmo com o desenho, vou me guiando pelo trabalho realizado no manequim, que serve para reafirmar o processo. A moulage no meu trabalho é muito importante, mesmo sendo algo mais ortogonal, vou fotografando, atualizando bidimensionalmente o que está em construção. Esta ação já vai apresentando elementos para a composição do projeto. Com isso, vou percebendo e destacando as proporções ou algo que me escapou. O desenho, o croquí, entra como registro e como parte da finalização do projeto. Nas aulas que leciono sobre moulage na faculdade, trabalho comumente com papel, propondo uma experimentação a partir do tridimensional. Sempre destaco a importância da expressão

A roupa é uma maneira de expressão. E não significa que você só possa desenhar por meio do lápis no papel – você desenha no manequim, você desenha recortando, você desenha foto-montando. O conceito é muito mais amplo. Há dois pontos importantes que norteiam essa crença. Uma está na raiz da palavra desenho: desejo, desígnio. Tem uma série de coisas que está implícito - uma delas é que desenhar tem que ser um ato desejoso. Há um documentário chamado O Risco, que o Nieyermer diz que ele não só desenha e risca, como ele se arrisca com aquilo. Você está se arriscando enquanto desenha, enquanto se expressa. Isso me faz pensar no meu encontro com o Serroni, quando questionava se eu conseguiria apresentar um projeto mesmo não sendo arquiteta numa reunião com produtor, iluminador e toda equipe. Perguntava se eles entenderiam se eu mostrasse um manequim com algumas experiências, algumas colagens. Hoje, percebo que há essa aceitação pelo fato de haver outros modos de fazer, outros modos de produção.


Neste momento, pergunto se está tudo bem? Como ela está de tempo. Damos uma pausa para um pouco mais de água e conferir a filmadora. Prosseguimos.
O ator pode tocar uma colagem ou um determinado material, mesmo não sabendo exatamente o que seu personagem vestirá, mas ele está vendo um momento antes, que é muito maior e isso, ao meu ver, contribuirá muito mais com seu processo de criação. Certamente, em um determinado momento ele terá um desenho ou vai experimentar algo que saiu de moulages, até porque quero que veja a progressão do meu trabalho. Eu, particularmente, me interesso muito pelo processo. Quando estou no trabalho em grupo, vejo os atores com seus textos e eles me dão aquilo. O iluminador com suas referências, os dramaturgos com seus livros e eu penso por que não levarei nada? Quando trabalhava no processo do espetáculo Arena Conta Danton, me lembro de um dia entrar no teatro e olhar, que em cada poltrona, havia referências, resultado da imersão dos atores. Pesquisei no livro História da Vida Privada o imaginário daquelas pessoas diante da guilhotina. Eu vi gravuras de pessoas presas esperando para serem guilhotinadas. Sabia que aquilo não viraria cenário, mas que eram informações importantes e que deveriam ser compartilhadas.

Neste momento Simone também compartilha seu sorriso.

Na Cia. Livre, além dos atores, os demais profissionais também propõem workshops ligados a encenação. Há montagens que esta dinâmica se dá antes da chegada do elenco. Em Raptada pelo Raio, os atores deram início aos trabalhos um ano antes e houve um momento em que Lúcia Gaiotto, responsável pelo trabalho vocal abriu para a escuta do texto, numa passagem em que eu já havia proposto as redes para compor uma determinada cena. Nesta ocasião, penso na importância de estar aberta e bastante envolvida com a referência da obra de Hélio Oiticica – Cosmococa  que me possibilitou apontar que o trabalho vocal dos atores seria potencializado após agregar também o uso de vendas aromáticas.


Você já se equivocou com algum elemento em cena, quer seja no figurino ou na cenografia?
Sempre há um momento em que isso ocorre, mas o bom de colocar suas propostas à prova durante o ensaio e elas ficarem prontas antes da estreia, possibilita identificar estes possíveis enganos. Isso é muito positivo, pois na sequência se dá o encontro com algo bom que te direciona para novas descobertas, ou seja, os acertos.

Insisto se há alguma situação notória. Ambos rimos. Ela pensa um pouco mais e dá prosseguimento.
Acho que houve um espetáculo O Acidente, no RJ, onde o cenário era de papel croquí. O teto era sustentado por fios de nylon, mas a atriz num determinado momento do espetáculo precisava rasgá-lo. Enquanto ideia era muito boa a proposta, mas eu percebi que eu havia criado uma armadilha, pois não era a melhor forma de utilizar aquele material, pois não sabia se seria dobrado, amassado, enfim. Em alguns momentos em que eu olhava para o cenário, via que estava amassado e foi aí que percebi que o amassado já era uma característica que deveria sugerir de um outro modo. Quando o espetáculo veio para SP, a cenografia já incorporava isso. Sinto que aprendi bastante com este trabalho.

Nestas duas montagens que estão em cartaz essa alterações também acontecem? Há espaço para uma alteração de partida? E a manutenção? Você vai de vez em quando acompanhar?
Sim. No Raptada, os bebês foram trocados recentemente, alterei a escala e a pintura. A primeira era um objeto de arte, cabeça de madeira, coberta de folha de prata - uma jóia. Mas havia um momento em que a atriz o colocava no chão e eu sentia que não funcionava. O objeto não estava resolvido. Aí precisei alterar.

Há uma figura importante que é a figura da direção de cena, que é parceira da direção de arte. Em Rainha[(s)] é a Elizete Jeremias, que é uma guardiã dos objetos de cena e uma grande diretora de cena. É ela que vai me dizendo se o papel está destruído e eu digo não, está bonito, deixa um pouco mais. As cartas que foram utilizadas em todas sessões estão sendo guardadas para compor um caderno, um livro, são todas manchadas, destruídas. Ela compreende a extensão e a potência daqueles objetos. Com isso, sinto que há uma manutenção criativa, pois me convoca a estar sempre próxima. Há casos em que o espetáculo está mais distante e isso me impede. Recentemente estive em Recife para uma palestra e a montagem também estava lá se apresentando e pude olhar todos os elementos em cena, no acontecimento. Ali já identifiquei outras coisas que precisavam de manutenção.

Nos figurinos desses espetáculos há alguma coisa que você queira destacar?
Em Rainha[(s)] o vestido de Mary Stuart foi feito em seda pura, pois é a única seda que tem um caimento, transparência e conforto perfeitos. Para teatro, certamente ninguém o indicaria, mas havia roupa de baixo, a transparência, uma luz específica que pedia isso. E com toda aquela movimentação, as quedas, os golpes, as fibras do tecido vão esgarçando. O que fiz foi deixar que isso fosse incorporado, já que Mary Stuart está presa e seu figurino aceitará o puído. Com isso, há na vestimenta a memória de cada gesto dela que se rompeu e foi serzido. Aquela roupa tem uma história e uma memória impregnada que roupa nenhuma, novinha, daria este efeito. Na ideia de figurino antigo o que importa é a caracterização, o resgate da indumentária histórica, mas quando se vê as camisolas das personagens, com referência próxima a década de 30, silhuetas longilíneas, você pode pensar, mas que referência é esta? Qual é a atualização? Entretanto, quando vejo as roupas impregnadas destes serzidos, compreendo ainda mais o que é um figurino.


Atualmente, também cuido dos figurinos da Cia. Ueinzz, que trouxe algo muito novo ao meu trabalho. Estive acompanhando-os na Finlândia com Finnegans Ueinzz e isso me deixou muito emocionada, pois houve um ato de respeito em razão da percepção deles do que é o trabalho do figurinista, que é algo que ainda batalho bastante. Por isso gosto de fazer as duas coisas, pois é mais fácil imprimir a dimensão do figurino, ou seja, dentro de uma perspectiva maior. Em razão disso, tenho redescutido a nomenclatura figurino, pois, ao meu ver, confere uma ideia de algo antigo - é um preconceito. Tenho chamado de roupa de cena, roupa em cena, numa tentativa de que possa superar o rigor do tempo. Com direção de arte tem acontecido a mesma coisa. No Rainha[(s)] também sou responsável pelo vídeo em cena e a parte gráfica. No teatro, sinto que é um termo que a gente empresta de outro lugar. Assim, quando uso o termo direção de arte é porque eu cuido de todos os elementos visuais do espetáculo e acho que a cenografia, enquanto termo não cumpre essa dimensão. Eu não tenho uma resposta. Acho o termo muito imperativo. Dirigir o que? A arte de quem, do que? Ando pensando bastante nisso.

Você citou sobre a parte gráfica. Como é isso? Pode falar um pouco mais?
Eu tenho cuidado bastante disso, pois é o que fica do trabalho, é o que fica na memória. É um documento. Tenho me envolvido mais com este segmento, pois encontrei profissionais que vinham apenas como agenciadores dos elementos de página. Faltava expressão.
Que espetáculo é mais representativo no seu trabalho?
Na verdade são dois, que são memoráveis, julgando por aspectos distintos. Um Bonde Chamado Desejo, onde utilizamos uma área de quatro metros quadrados, com plateia por todos os lados, o que fez com que eu criasse um universo transparente. Fiz um cubo com referência nos reposteiros citados no texto de Tennessee Williams, que foram feitos a partir de quatro rolos de elásticos que eram içados e compunham as linhas deste cubo. Havia momentos em que eu pegava o carro só pra acompanhar a mecânica dessa engenhoca subindo (risos). Havia um trecho do espetáculo em que Blanche tirava um fio  da roupa e amarrava nas paredes que ficavam todas tortas, justamente num momento em que ela seria estuprada por Kowalski. Em seguida, Estela, que é a irmã, entra com uma tesourinha e corta o fio, fazendo com que os elásticos voltem a formar o cubo, conferindo uma suposta normalidade para aquele espaço - um equilíbrio. A partitura do espaço, trabalhava em parceria total com o corpo do ator. 

Outro espetáculo importante foi o Arena conta Danton em decorrência do projeto de ocupação do Teatro de Arena.  A montagem era um teatro jogo, cujo o ator que fazia Robespierre fazia também Danton. Eu cravei uma roleta no centro do palco, feita a partir de uma roda de bicicleta, pintada de preto e branco, que era rodada a cada ato e isso determinava a troca dos personagens. Este trabalho foi um movimento que me conectou com o Arena, pois ao mesmo tempo que estudei sua história, houve uma necessidade, enquanto cenógrafa, de não revestir aquele lugar, mas de se estabelecer enquanto presença. Outro ponto que foi determinante para meu trabalho foi pensar nessa dualidade entre Robespierre e Danton, o que reforçou o jogo, a competição e a ideia de time. Com isso, resolvi pintar o interior do Arena também de preto e branco. Tudo! Fiz uma linha de uma extremidade a outra e ao final o que se viu era um lado inteiramente branco, com poltronas, palco, teto, assoalho e o lado oposto preto. Quando se entrava, é como se algo fosse desestabilizado. O jogo estava estabelecido no próprio edifício. O lado branco era incrível que revelava sua estrutura. Este espetáculo foi muito significativo pelo processo. Foi um momento muito maduro. Passaram tantos artistas por lá, pudemos conhecer profissionais incríveis. Flávio Império esteve ali...
Provocando Simone, a respeito do figurino, pergunto como ela também atua na área de moda, o que pensa de estilistas famosos fazendo figurino ?
Eu acho que tem muita gente que faz e faz bem. O ruim é quando o trabalho se dá por uma relação muito oca, como chamar só por um nome famoso, ou vínculos já estabelecidos ou simplesmente por uma facilidade de produção. Eu acho que há pessoas que vêm e realizam bem, fazem seus processos, dão sua contribuição. Eu não me incomodo com isso. Na verdade, eu também comecei no teatro sendo estilista. Gosto dessa promiscuidade boa, que é não ser exatamente daquele campo, daquela área e poder vir e se misturar. Acho que está mais ligado a postura profissional.
Eu ainda atuo em moda, pois leciono, faço roupa pra algumas pessoas que me pedem. Trabalhei na Ellus há pouco tempo cuidando da direção de arte das lojas e da cenografia dos desfiles. Era ótimo, pois sei o que na moda é ruim assim como sei o que no teatro é esquisito. Acho que se você se expressa e é verdadeiro com o que você quer não há impedimento. Acredito que quando não há essa abertura, você vai fazendo teatro só para quem faz teatro, ou para os acadêmicos. Houve um momento na história que o teatro foi do autor, depois do encenador, em seguida do ator, mas agora cheguei a conclusão que quero um teatro de público. Quero que as pessoas se aproximem. Em aula, quando convido meus alunos para uma estreia, a maioria se quer ir é para ver o que estou fazendo, mas percebo que teatro não é uma referência potente para eles. Embora sejam muito jovens. Penso por que o teatro tem essa referência ligada com o mesmo lugar que o figurino tem como algo antigo e empoeirado. Ao meu ver, o teatro e demais áreas também  se renovam ao permitirem um corpo estranho. O diferente impõe um problema implícito, convoca-nos. Este disparo se deu na Cia. Livre com o espetáculo VemVai - O Caminho dos Mortos, que convocou o público  a pensar na relação com o diferente. Neste caso penso que o diferente também pode ser um novo profissional que chega.

Para as pessoas que assistirão os espetáculos onde há o seu trabalho, o que diria para elas?

No Raptada proponho experimentar a relação com um corpo alterado pela posição nas redes. Sugiro se relacionarem com o texto por meio de outras vias. Há uma redescoberta de algo trivial como deitar-se na rede. Há também algo gostoso relacionado a nossa memória anterior, ser embalado, algo uterino. Reparem nisso e se entreguem, pois tem gente que não vai pra rede.

Há uma questão importante também que é a problemática desejosa de que os temas índigenas não sejam vistos apenas enquanto estudo no dia do índio e que sua produção é tão importante quanto qualquer outra.
Já em Rainha[(s)], destaco a magia de transformar um material ordinário como a fita crepe, num elemento extraordinário. É algo barato, mas que saído da sala de ensaio é resignificado a partir da atuação da cenografia e das atrizes. Há um campo mágico que se instaura ali, já que o desenho do labirinto sobre a arena é feito com fita crepe. Também acho importante destacar a relação do meu trabalho com a iluminação feita pela Alessandra Domingues que já se estende por 10 anos e é uma parceria constante, além de ser um profissional que pensa a luz de um jeito muito criativo. É uma artista da luz
Por fim, venho pensando em qual é o espaço e as possibilidades da imaginação. No Bonde eu dava uma fita que era o elástico, agora em Rainha[(s)] eu dou a crepe. Como fica a imaginação dessa platéia? E o espaço do imaginário que solicita o outro o tempo todo?
Fotos de Cacá Bernandes e Roberto Setton

Comentários

  1. Simone é mesmo uma profissional incrível! Além de uma pessoa maravilhosa. Excelente entrevista, parabéns <3

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